sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Conceito de Expiação na Bíblia

Os adventistas do sétimo dia são acusados de ensinar que Satanás também é um salvador, pelo fato de identificarem o bode Azazel (ou emissário) com Satanás. O principal argumento suscitado pelos acusadores é que Levítico 16:10 afirma que o bode Azazel faz expiação: “Mas o bode sobre que cair a sorte para bode emissário será apresentado vivo perante o Senhor, para fazer expiação por meio dele e enviá-lo ao deserto como bode emissário.” Alguns bem-intencionados apologistas tentam contornar o problema dizendo que o bode Azazel não era um meio de expiação, mas, argumentando assim, colocam-se numa posição vulnerável, pois o texto bíblico realmente declara que o bode vivo faz expiação.

O verdadeiro problema na acusação levantada pelos detratores do adventismo encontra-se no conceito da palavra “expiação”. O senso comum evangélico induz a crer que expiação signifique “perdão dos pecados”, o qual evidentemente só pode ser proporcionado por Cristo. Mas, na verdade, o conceito de expiação é outro.

Expiação tem sentido mais genérico e significa “pagamento dos pecados” ou “remissão da culpa, pela aplicação da pena”. A Bíblia diz que o salário do pecado é a morte (Rm 6:23) e que “quem morreu está justificado do pecado” (Rm 6:7). A Bíblia diz também que pecado é a transgressão da Lei (1Jo 3:4) e que a Lei suscita a ira (Rm 4:15), referindo-se logicamente à ira de Deus (Rm 1:18). Assim, quando uma criatura transgride a Lei, esta suscita a ira de Deus, a qual só pode ser aplacada com o pagamento do salário do pecado, que é a morte. Esse pagamento é a expiação.

O pagamento do pecado não é feito apenas por Cristo. O pagamento do pecado deve ser feito primariamente pelo próprio transgressor. Quando Satanás, os anjos rebeldes e os ímpios forem destruídos no fim do milênio, eles não estarão fazendo nada mais do que a expiação pelos seus próprios pecados. Trata-se de uma expiação punitiva. Cristo, por Sua vez, faz expiação substitutiva, para dar aos seres humanos uma nova oportunidade de vida eterna, conquanto Lhe sejam fiéis. Logo, expiação não significa propriamente “perdão dos pecados”. Quando a intenção é referir-se ao que Cristo fez na cruz e está fazendo no Santuário Celestial, a fim de proporcionar o perdão dos pecados, deve-se dizer não apenas “expiação”, mas “expiação por Cristo”. Ou seja, a expiação só se refere ao “perdão dos pecados” se ela estiver qualificada com algum complemento (no caso, pelas palavras “por Cristo”).

A Bíblia utiliza a palavra expiação para outras situações que não a do perdão dos pecados. Observe-se: “Eis que um homem dos filhos de Israel veio e trouxe a seus irmãos uma midianita perante os olhos de Moisés e de toda a congregação dos filhos de Israel, enquanto eles choravam diante da tenda da congregação. … Vendo isso Finéias, filho de Eleazar, o filho de Arão, o sacerdote, levantou-se do meio da congregação, e, pegando uma lança, foi após o homem israelita até ao interior da tenda, e os atravessou, ao homem israelita e à mulher, a ambos pelo ventre; então, a praga cessou de sobre os filhos de Israel. … Então, disse o Senhor a Moisés: Finéias, filho de Eleazar, filho de Arão, o sacerdote, desviou a Minha ira de sobre os filhos de Israel, pois estava animado com o Meu zelo entre eles; de sorte que, no Meu zelo, não consumi os filhos de Israel. … E ele e a sua descendência depois dele terão a aliança do sacerdócio perpétuo; porquanto teve zelo pelo seu Deus e fez expiação pelos filhos de Israel” (Nm 25:6-8, 10, 11 e 13).

“Assim, não profanareis a terra em que estais; porque o sangue profana a terra; nenhuma expiação se fará pela terra por causa do sangue que nela for derramado, senão com o sangue daquele que o derramou” (Nm 35:33).

Na primeira situação, os israelitas tinham caído na estratégia de Balaão, tinham-se juntado a mulheres midianitas e adorado a ídolos. Deus castigou o povo com uma praga. Enquanto Moisés estava tomando medidas para castigar os pecadores, um israelita trouxe uma mulher midianita para o arraial. Finéias ficou indignado e matou a ambos. Deus elogiou a Finéias, dizendo que, por esse ato, ele tinha feito expiação por Israel. Essa foi uma expiação punitiva e não substitutiva. Não houve perdão de pecados.

Na segunda situação, Deus diz que o homicida deve ser morto para expiar
com seu próprio sangue o assassinato que cometeu. Trata-se também aqui de uma expiação punitiva e não substitutiva.

Esses conceitos são satisfatoriamente explicados no livro do pastor Frank B. Holbrook, intitulado O Sacerdócio Expiatório de Jesus Cristo (CPB). Holbrook é teólogo de grande consideração na igreja adventista mundial e seus livros possuem amplo prestígio. À página 143, ele declara: “Mas ‘expiação’ também pode ter um sentido punitivo quando uma pessoa culpada e não perdoada perde a vida como castigo por sua ofensa. … Assim como essas expiações punitivas do assassino e do casal removeram a culpa da nação israelita, assim o bode por Azazel (que levava as iniqüidades e a responsabilidade de Israel) fazia expiação pelo recebimento do castigo, e não de maneira salvadora.”

A grande dificuldade que muitos têm de aceitar esse ponto é sua compreensão parcial e equivocada do conceito de “expiar”. “Expiação” não é sinônimo de “salvação” ou “perdão”. “Expiação” é o pagamento pelo pecado. O texto já citado de Números 35:33 é prova inequívoca disso: “Assim, não profanareis a terra em que estais; porque o sangue profana
a terra; nenhuma expiação se fará pela terra por causa do sangue que nela for derramado, senão com o sangue daquele que o derramou.”

Não é só o sangue de Cristo que faz expiação. O sangue do assassino também o faz. Aliás, o verso enfatiza que nenhuma outra expiação se fará pelo assassino a não ser com seu próprio sangue. Por outro lado, é verdade que só o sangue de Cristo proporciona perdão e salvação. Perdão e salvação são coisas diferentes de expiação.

Disso tudo se extrai que o bode Azazel, representando Satanás, realiza, sim, uma expiação, pois ele paga pelos pecados que levou o povo de Deus a cometer. Deus acha justo punir Satanás por ter induzido Seu povo a pecar. Satanás não pagará pelos pecados do povo de Deus como um salvador, mas por ser culpado por ter originado o mal: “Visto que Satanás é o originador do pecado, o instigador direto de todos os pecados que ocasionaram a morte do Filho de Deus, exige a justiça que Satanás sofra a punição final. A obra de Cristo para a redenção dos homens e purificação do Universo da contaminação do pecado encerrar-se-á pela remoção dos pecados do santuário celestial e deposição dos mesmos sobre Satanás, que cumprirá a pena final” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 358).

(Henderson Hermes Leite Velten, advogado e membro da Igreja Adventista do Ibes, em Vila Velha, ES).